Olá, tudo bem?
Já faz um tempo que eu li uma frase no Instagram que me incomodou bastante. Fazia parte de uma análise do personagem do Sr. Bennet, de Orgulho e Preconceito, livro da Jane Austen (e meu favorito!) e dizia assim:
“De modo que, isolado no próprio casamento, o senhor Brennet (sic) corrompe a si mesmo, deixando de lado os seus velhos ideias (sic) e tornando-se um estoico. Deixa de se importar com a sua mulher, negligencia a educação das filhas, o que lhes torna vulneráveis aos próprios vícios.”
A “frieza” do estoico e os amores possíveis
“Estoico” virou adjetivo para indicar alguém impassível, indiferente aos sofrimentos alheios. Como isso aconteceu, eu não sei. Mas, certamente, é mais um estereótipo que carece de uma leitura mais atenta dos textos estoicos (inclusive, recomendo a Diatribe 1.11 de Epicteto!).
Sim, é bem verdade que o estoico procura agir e decidir racionalmente. Mas isso não os torna insensíveis e sem emoções (afinal, isso não seria humano!). O que o estoico busca é não sucumbir às emoções violentas, que promovem uma espécie de sequestro mental e impedem a pessoa de agir “com a cabeça no lugar”.
Então, o estoico provavelmente não seria o tipo de pessoa que faria gestos grandiosos e declarações de amor épicas. Não, ele não é o tipo de pessoa que daria um bom filme de romance, daqueles que depois do desespero de perder a pessoa amada, o outro corre no aeroporto, só pra descobrir que a pessoa, no último minuto, não embarcou. Esse não é o estoico.
Mas, eu me pergunto: quem é esse e por que ele nos fascina tanto? Sem perceber, nós vamos deixando que as produções culturais formem a nossa visão de amor, seja o amor romântico ou aquele das amizades, da família. E, especialmente os blockbusters, mostram um amor dramático, sofrido, que tem uma grande superação no final do filme até que todos vivam felizes para sempre (claro, há também as versões alternativas em que tudo acaba como uma grande tragédia e ninguém é feliz). Porque os amores tranquilos, aqueles com os quais você pode contar sem muito drama, que estão lá no dia a dia, estáveis e seguros, esses não dão filme, não rendem uma boa história pra contar aos amigos.
A gente vive numa era de solidão na multidão. Você pode se sentir só, apesar de ter milhares de “amigos” nas redes sociais. O quanto disso resulta nas projeções sobre os amores ideais que nós lançamos sobre as pessoas? Quanto essas projeções nos impedem de reconhecer e apreciar os amores possíveis, cotidianos?
Você sabe, eu sou uma apreciadora do comum, uma entusiasta do ordinário. Eu vejo beleza em pequenos gestos privados, sem grandes significados para além das pessoas que vivenciaram aquele brevíssimo instante. Acredito que os estoicos também eram assim (as Meditações de Marco Aurélio são fantásticas nisso!).
O que pode um estoico sem paixões? Qual é a potência de um amor possível? Sêneca responde, em um de seus belíssimos textos sobre as amizades:
"Para quê arranjar então um amigo?" Para ter alguém por quem possa morrer, alguém que possa acompanhar ao exílio, alguém por quem me arrisque e ofereça à morte. (Cartas a Lucílio, 9.10)
🔍 Garimpo
Essa semana, eu conheci a Biblion, biblioteca digital gratuita de São Paulo. Já tem um acervo de mais de 16 mil livros, entre livros clássicos e contemporâneos, e está crescendo.
Livro Tudo sobre o amor: novas perspectivas, de bell hooks. Uma obra que repenssa o conceito de amor e mostra como ele pode ser uma potência de transformação na nossa sociedade. Disponível no Scribd, com uma assinatura gratuita de 60 dias.
📆 Agenda da semana
Quarta, 12:00 - abertura das inscrições na Trilha da Sabedoria, um diálogo entre filósofos estoicos e pensadores contemporâneos.
Quarta, 19:30 - aula aberta no YouTube: Faça da vida uma obra de arte. Se quiser assistir ao vivo, ative o lembrete para receber um aviso de início do vídeo.
Como sempre, eu estou a uma resposta de distância. Se quiser continuar essa conversa, basta responder este e-mail.
Bom domingo e ótima semana!
Até a próxima!