Olá, tudo bem?
Essa semana, iniciamos o projeto de leitura coletiva da Ilíada. E a meta era ler os dois primeiros cantos do livro. Eis que, no canto II, ocorre uma situação inusitada, mas extremamente atual.
Explico: Agamêmnon, líder dos exércitos gregos na Guerra de Troia, tem um desentendimento com Aquiles e este sai da Guerra. O problema é que Aquiles era o melhor guerreiro dentre os gregos e, sem ele, as coisas ficariam um taanto complicadas.
Numa bela noite, Agamêmnon, que não queria dar o braço a torcer, tem um sonho enganoso, vindo da parte de Zeus, dizendo que eles ganhariam os troianos. Pronto! Ali estava o sinal de que tudo correria bem. Afinal de contas, quem precisa de uma boa autoavaliação, não é mesmo?
Agamêmnon e o viés de confirmação
Apesar de ser um texto de quase 3.000 anos, a Ilíada continua tendo belas lições para os nossos dias. E, no canto II, podemos resumir a lição de Agamêmnon como: cuidado com o viés de confirmação!
Viés de confirmação, de modo resumido, é a tendência de só olharmos os fatos e opiniões que confirmem uma ideia nossa e ignorarmos todo o resto. Agamêmnon ignora a história da guerra até então (já tinham se passado 9 anos nessa altura dos fatos), a participação de Aquiles nas vitórias dos gregos, e mesmo o mínimo autoconhecimento de que ele não era tão forte quanto pensava. Todos os fatos diziam que não seria uma boa estratégia entrar em batalha naquele momento.
Maaasss… Ele teve um sonho! Um sinal! Ali estava a resposta de que ele precisava. Só que não. É bem verdade que os sonhos eram, por vezes, enviados pelos deuses, mas bastava um pouco de autocrítica para perceber que o sonho poderia ser enganoso.
Respostas emocionais a problemas racionais
No livro A mente moralista, Jonathan Haidt defende que, diante de uma situação qualquer, na qual precisamos tomar uma decisão, fazer um julgamento, nós respondemos, primeiro, com uma emoção moral e, só depois, usamos nosso raciocínio para tentar justificar o que sentimos.
Em outras palavras, nós sentimos primeiro e pensamos depois. Mas, esse pensamento, geralmente, não é uma avaliação crítica das nossas emoções, mas uma maneira de racionalizá-las, de validá-las.
Sabe quando você vê um produto em liquidação? A primeira coisa que acontece é uma vontade enorme de comprá-lo. Desejo. Mas você sabe que as finanças andam meio apertadas. Só que, como você quer muito, acaba criando justificativas, para si mesmo, sobre como dá pra encaixar aquele produto no orçamento. Afinal, você merece, né?
Nessa hora, entra em cena o viés de confirmação. Você não vai lembrar da fatura do cartão que já está quase no limite, mas do salário que está quase para cair na sua conta, com as horas-extras do mês passado; daquele empréstimo que você fez a um amigo e ele prometeu que devolveria essa semana (apesar de já ter te enrolado antes).
Na Ilíada, Agamêmon recebe o sonho num momento em que estava irado com Aquiles; com o orgulho ferido diante dos soldados, por ter perdido um prêmio de batalha; desejoso de reafirmar sua liderança e poder. Qualquer sinal positivo, seria bem-vindo.
Mas será mesmo?
Cuidado com as paixões
De modo simplificado, isso é o que os estoicos chamam de paixões: uma emoção fora de controle que te faz agir irracionalmente.
Não é que os estoicos pregassem uma vida sem emoções (o que nem seria humano), mas que as nossas emoções passem pelo crivo da razão antes de tomarmos uma decisão. Assim, evitamos ações precipitadas, frustrações e um bocado de aborrecimentos.
Talvez, se Agamêmnon pudesse ter viajado no tempo, alguns séculos a frente, e conhecido a filosofia estoica, tivesse evitado o desfecho trágico da batalha que se seguiu ao sonho. Talvez, não. Nunca saberemos.
Mas, se você estiver procurando um sinal para tomar uma decisão importante, aqui vai um: não seja Agamêmnon!
📚 Li e recomendo
Ilíada, de Homero - um baita clássico grego, mais emocionante que muito filme de ação por aí.
A mente moralista - para entender por que sentimos primeiro e pensamos depois (e como colocar um freio antes de fazer besteira).
Manual de Epicteto - excelente contraponto para criticar nossos vieses.
Este livro não vai te deixar rico - para desfazer os vieses de confirmação mais comuns no Brasil, como a meritocracia, por exemplo.
Como sempre, eu estou a uma resposta de distância. Se quiser continuar essa conversa, basta responder este e-mail.
Bom domingo e ótima semana!
Até a próxima!